segunda-feira, 20 de abril de 2015

Nossa Senhora da Esperança


Por Marcos Luiz Garcia
Primeira Missa no Brasil - Victor Meirelles (1860), Museus de Belas Artes
Primeira Missa no Brasil – Victor Meirelles (1860), Museus de Belas Artes

Um vínculo histórico com o Brasil e garantia divina do seu futuro glorioso

Fonte: Revista Catolicismo, Nº 772, abril/2015

O rei Dom Manuel providenciou a celebração solene da Santa Missa no Mosteiro dos Jerônimos (Lisboa), pelo Bispo de Ceuta, Dom Diogo de Ortiz, após a qual fez benzer uma bandeira com as armas do Reino, que entregou nas mãos do cavaleiro da Ordem de Cristo, Pedro Álvares Cabral [quadro abaixo], comandante da expedição com destino às Índias, para que o acompanhasse. Havia muita gente assistindo à Missa e participando do grande cerimonial.
Terminado o ato litúrgico, formou-se um majestoso e longo cortejo, irradiando esplêndido colorido de trajes e de bandeiras dispostos em ordem hierárquica, o qual se dirigiu ao embarcadouro, muito próximo do mosteiro, para a partida da expedição. Grande alegria dominava o ambiente, porque estava prestes a iniciar-se mais um “cristão atrevimento” para a glória de Deus e do Reino de Portugal.
Nossa Senhora da Esperanca 6
Quando o pomposo séquito chegou ao cais junto à nau capitânia, Cabral osculou reverentemente a mão de seu senhor El-Rei e despediu-se dos demais membros da corte, parentes e amigos. Subiu no tombadilho da principal caravela de uma notável esquadra de 13 navios, com um contingente total de 1500 homens.
Imediatamente o nobre cavaleiro de 33 anos se dirigiu à imagem de Nossa Senhora da Esperança que pouco antes lhe concedia El-Rei — padroeira da expedição e de quem era aliás muito devoto —, para lhe oscular os pés e implorar proteção e êxito na viagem. Era o dia 9 de março de 1500. Com lentidão majestosa a imponente esquadra se distancia pela foz do rio Tejo, enfuna as velas com as cruzes da Ordem de Cristo e toma o seu rumo em alto mar. 

Imagem na Primeira Missa celebrada no Brasil

Pululam em nossos dias pesquisadores e historiadores realmente capazes e com reconhecidos dotes científicos, os quais, contudo, nem sempre consideram relevantes aspectos de ordem espiritual da História, como se tais fatos carecessem de realidade. Porém, para nós, católicos, que consideramos a História sob o prisma mais elevado da fé, tais aspectos constituem pelo contrário o creme da realidade.
Os Descobrimentos foram fruto de uma graça especialíssima concedida pela Providência — neste caso a Portugal — sobretudo para expandir a fé. Há abundância de fontes mencionando o culto a Nossa Senhora da Esperança, intensificado na época dos Descobrimentos. Na cidade natal de Pedro Álvares Cabral, Belmonte, encontra-se a imagem de Nossa Senhora da Esperança [foto]. A mesma imagem que, no dia 22 de Abril de 1500, estava no altar da celebração da Primeira Missa nesta Terra de Santa Cruz. 

Promessa à Terra de Vera Cruz

Esquerdistas de várias gamas procuram atribuir um sentido primordialmente material aos Descobrimentos. A avidez de riquezas, sobretudo do ouro, era o que moveria os navegantes a enfrentar riscos imensos. Portanto uma cobiça, talvez exacerbada, seria o sentido mais profundo das navegações. Com certeza, no caso dos que não têm fé, tudo se explica pelo interesse material. Não conhecem eles o verdadeiro paraíso que a fé católica comunica à alma de quem a tem. Já os fatos acima descritos desmentem em grande parte esse enfoque materialista.
Deixemos, porém, falar uma testemunha qualificada da época, Pero Vaz de Caminha, escrivão da armada, sobre a impregnação do espírito católico que animava os descobridores, em sua carta a El-Rei:
Pero Vaz de Caminha lê para o comandante Pedro Álvares Cabral,  Frei Henrique de Coimbra e o mestre João a carta destinada rei D. Manuel I
Pero Vaz de Caminha lê para o comandante Pedro Álvares Cabral, Frei Henrique de Coimbra e o mestre João a carta destinada rei D. Manuel I

“Neste mesmo dia, a horas de véspera, houvemos vista de terra! A saber, primeiramente de um grande monte, muito alto e redondo; e de outras serras mais baixas ao sul dele; e de terra chã, com grandes arvoredos; ao qual monte alto o capitão pôs o nome de O Monte Pascoal e à terra A Terra de Vera Cruz!
[...] “Ao domingo de Pascoela pela manhã, determinou o Capitão ir ouvir missa e sermão naquele ilhéu. E mandou a todos os capitães que se arranjassem nos batéis e fossem com ele. [...].
[...] “Ao sairmos do batel, disse o Capitão que seria bom irmos em direitura à cruz que estava encostada a uma árvore, junto ao rio, a fim de ser colocada amanhã, sexta-feira, e que nos puséssemos todos de joelhos e a beijássemos para eles [indígenas] verem o acatamento que lhe tínhamos. E assim fizemos. E a esses dez ou doze que lá estavam, acenaram-lhes que fizessem o mesmo; e logo foram todos beijá-la.
[...] “E hoje que é sexta-feira, primeiro dia de maio, pela manhã, saímos em terra com nossa bandeira; e fomos desembarcar acima do rio, contra o sul onde nos pareceu que seria melhor arvorar a cruz, para melhor ser vista. E ali marcou o Capitão o sítio onde haviam de fazer a cova para a fincar. E enquanto a iam abrindo, ele com todos nós outros fomos pela cruz, rio abaixo onde ela estava. E com os religiosos e sacerdotes que cantavam, à frente, fomos trazendo-a dali, a modo de procissão. Eram já aí quantidade deles [os indígenas], uns setenta ou oitenta; e quando nos assim viram chegar, alguns se foram meter debaixo dela, ajudar-nos. Passamos o rio, ao longo da praia; e fomos colocá-la onde havia de ficar, que será obra de dois tiros de besta do rio. Andando-se ali nisto, viriam bem cento cinqüenta, ou mais. Plantada a cruz, com as armas e a divisa de Vossa Alteza, que primeiro lhe haviam pregado, armaram altar ao pé dela. Ali disse missa o padre frei Henrique, a qual foi cantada e oficiada por esses já ditos. Ali estiveram conosco, a ela, perto de cinqüenta ou sessenta deles, assentados todos de joelho assim como nós. E quando se veio ao Evangelho, que nos erguemos todos em pé, com as mãos levantadas, eles se levantaram conosco, e alçaram as mãos, estando assim até se chegar ao fim; e então tornaram-se a assentar, como nós. E quando levantaram a Deus, que nos pusemos de joelhos, eles se puseram assim como nós estávamos, com as mãos levantadas, e em tal maneira sossegados que certifico a Vossa Alteza que nos fez muita devoção.
“Estiveram assim conosco até acabada a comunhão; e depois da comunhão, comungaram esses religiosos e sacerdotes; e o Capitão com alguns de nós outros. E alguns deles [indígenas], por o Sol ser grande, levantaram-se enquanto estávamos comungando, e outros estiveram e ficaram. Um deles, homem de cinquenta ou cinquenta e cinco anos, se conservou ali com aqueles que ficaram. Esse, enquanto assim estávamos, juntava aqueles que ali tinham ficado, e ainda chamava outros. E andando assim entre eles, falando-lhes, acenou com o dedo para o altar, e depois mostrou com o dedo para o céu, como se lhes dissesse alguma coisa de bem; e nós assim o tomamos!
Carta ao rei D. Manuel, comunicando o descobrimento
Carta ao rei D. Manuel, comunicando o descobrimento

“Acabada a missa, tirou o padre a vestimenta de cima, e ficou na alva; e assim se subiu, junto ao altar, em uma cadeira; e ali nos pregou o Evangelho e dos Apóstolos cujo é o dia, tratando no fim da pregação desse vosso prosseguimento tão santo e virtuoso, que nos causou mais devoção. Esses que estiveram sempre à pregação estavam assim como nós olhando para ele. E aquele que digo, chamava alguns, que viessem ali. Alguns vinham e outros iam-se; e acabada a pregação, trazia Nicolau Coelho muitas cruzes de estanho com crucifixos, que lhe ficaram ainda da outra vinda. E houveram por bem que lançassem a cada um sua ao pescoço. Por essa causa se assentou o padre frei Henrique ao pé da cruz; e ali lançava a sua a todos — um a um — ao pescoço, atada em um fio, fazendo-lha primeiro beijar e levantar as mãos. Vinham a isso muitos; e lançavam-nas todas, que seriam obra de quarenta ou cinquenta. E isto acabado — era já bem uma hora depois do meio dia — viemos às naus a comer, onde o Capitão trouxe consigo aquele mesmo que fez aos outros aquele gesto para o altar e para o céu, (e um seu irmão com ele). A aquele fez muita honra e deu-lhe uma camisa mourisca; e ao outro uma camisa destoutras.[...]
[...] O melhor fruto que dela [a terra] se pode tirar parece-me que será salvar esta gente. E esta deve ser a principal semente que Vossa Alteza em ela deve lançar. E que não houvesse mais do que ter Vossa Alteza aqui esta pousada para essa navegação de Calicute bastava. Quanto mais, disposição para se nela cumprir e fazer o que Vossa Alteza tanto deseja, a saber, acrescentamento da nossa fé!”.

(Tópicos da carta de Pero Vaz de Caminha (grafia atualizada) http://www.mc.unicamp.br/1- olimpiada/documentos/documento/3)  
Desembarque de Cabral em Porto Seguro. Óleo sobre tela de Oscar Pereira da Silva (1904). Acervo do Museu Histórico Nacional (RJ)
Desembarque de Cabral em Porto Seguro. Óleo sobre tela de Oscar Pereira da Silva (1904). Acervo do Museu Histórico Nacional (RJ)

A esperança da salvação do Brasil

A partir desse início magnífico, o Brasil se tornou com o passar do tempo o maior País católico do mundo, tendo nossos descobridores realizado o que Nosso Senhor recomendou: “Ide e pregai o Evangelho a todos os povos. Quem crer e for batizado será salvo. Quem não crer será condenado” (Mac. 16, 16).
Para nossa imensa tristeza, pratica-se hoje exatamente o contrário, pois os índios estão sendo levados por uma neomissiologia progressista a perder a fé católica e a voltar ao paganismo (cfr. Plinio Corrêa de Oliveira, Tribalismo Indígena, ideal comuno-missionário para o Brasil do séc. XXI, 1977, São Paulo, Artpress).
Mas não é só isso. O Brasil que outrora apresentava 97% de sua população constituída de católicos, hoje conserva apenas 57% (“População católica no Brasil cai de 64% para 57%”, conforme noticia do “Datafolha G1” de 21-7-13). E ainda assim de católicos dos quais apenas pequena minoria conhece e ama a verdadeira doutrina da Igreja.
O País atualmente está assediado por numerosos inimigos de suas raízes católicas, à espreita do hallali, isto é, daquele momento fatídico em que a caça está prestes a ser abatida.
Prova dessa afirmação são as comemorações cada vez mais pálidas e sem conteúdo da data do Descobrimento do Brasil.
Não será pelo acima exposto que os problemas brasileiros de todo gênero se multiplicam a cada dia? E a sensação que nos domina não é a de estarmos imergindo cada vez mais num imenso buraco negro cujo fundo não vemos e não ousamos imaginar?
Mas nós, católicos, habituados às mais difíceis vicissitudes, jamais admitiremos, com a ajuda de Nossa Senhora, a hipótese de entregar nossa Pátria a fatores de desagregação como a heterodoxia, o comunismo ou o ateísmo.
Nesse sentido, é oportuno relembrar aquelas palavras pronunciadas por Plinio Corrêa de Oliveira no encerramento do Congresso Eucarístico Nacional (em São Paulo, no ano de 1942): “Contra os inimigos da Pátria que estremecemos, e de Cristo que adoramos, os católicos brasileiros saberão mostrar sempre uma invencível resistência. Loucos e temerários! Mais fácil vos seria arrancar de nosso céu o Cruzeiro do Sul, do que arrancar a soberania e a Fé a um povo fiel a Cristo.”
         Neste mês em que celebramos mais um aniversário do Descobrimento do Brasil, lembremo-nos da imagem de Nossa Senhora da Esperança que nos trouxe a fé católica. E voltando-nos súplices para Ela, peçamos-lhe que livre esta nação da espantosa tempestade que lhe está subtraindo o precioso dom da fé e a faça retomar o caminho tão bem iniciado em 1500.
É um desafio para os brasileiros que professam a única Fé verdadeira. Com a alma vincada por uma esperança inabalável, devem eles encetar agora a travessia dessa imensa crise religiosa, cultural e material, convictos de que caminham para a vitória!
E-mail para o autor: catolicismo@terra.com.br
 Réplica da imagem da Nossa Senhora da Esperança que veio na caravela Anunciação, de Pedro Álvares Cabral, quando o Brasil foi descoberto. Esta réplica é venerada na igreja de Nossa Senhora da Esperança, no Jardim Novo Mundo, na capital paulista.

A IMAGEM

A imagem de Nossa Senhora da Esperança do navegador foi colocada em uma capela construída especialmente por Cabral para abrigá-la. Até o século XVIII a capela, deixada sob a guarda dos frades franciscanos, seria mantida por descendentes do descobridor oficial do Brasil. Atualmente, a imagem se encontra no altar de São Tiago, na vila de Belmonte, em Portugal [foto acima]. Foi trazida novamente ao nosso País durante o Congresso Eucarístico Internacional do Rio de Janeiro, em 1955.
A imagem clássica portuguesa da Senhora da Esperança foi esculpida em pedra, pesa 90 quilos e representa a Virgem Maria de pé com o menino Jesus sentado em seu braço esquerdo, segurando com a mão direita o pezinho dele. O Divino Infante aponta com a mãozinha direita para uma pomba (símbolo do Espírito Santo), que repousa sobre o braço direito de sua Mãe.
Nos tempos modernos a devoção a Nossa Senhora da Esperança foi revivida após a aparição da Virgem Maria em Pontmain (França), nos dias terríveis da invasão prussiana (1870-1871), quando o inverno, a fome e a guerra se uniram para castigar o povo francês. Foram inúmeras as graças alcançadas no lugar da aparição e pouco depois se ergueu ali uma bela basílica, que foi entregue aos cuidados dos padres Oblatos de Maria Imaculada.” (http://www.prestservi.com.br/diaconoalfredo/titulos_maria/e/esperanca.htm)

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Réplica da imagem da Nossa Senhora da Esperança que veio na caravela Anunciação, de Pedro Álvares Cabral, quando o Brasil foi descoberto. Esta réplica é venerada na igreja de Nossa Senhora da Esperança, no Jardim Novo Mundo, na capital paulista.
Réplica da imagem da Nossa Senhora da Esperança que veio na caravela Anunciação, de Pedro Álvares Cabral, quando o Brasil foi descoberto. Esta réplica é venerada na igreja de Nossa Senhora da Esperança, no Jardim Novo Mundo, na capital paulista.

“Os fiéis sempre invocavam o nome de Maria com a esperança de que Ela os ajudasse a resolver seus problemas pessoais. Assim este título não é novo, pois a Mãe de Deus na liturgia romana tem sido denominada “esperança dos desesperados”. O mais antigo santuário de Nossa Senhora da Esperança de que se tem notícia é o da cidade de Mezières, na França, construído no ano de 930; depois dele, vários outros foram erigidos.
Em Portugal, este culto desenvolveu-se muito na época das grandes descobertas marítimas, figurando dentre os seus devotos o comandante Pedro Álvares Cabral, que possuía uma bela imagem da padroeira em sua residência, levando-a consigo em sua viagem às Índias.
A imagem foi trazida ao País e foi exibida nas duas missas do descobrimento, celebradas pelo frei Henrique de Coimbra. Em documentos preservados, Cabral revelou o desejo de manter um círio (vela) para iluminar sempre a imagem de Nossa Senhora da Esperança, de sua propriedade, carregada na viagem por ele capitaneada e que zarpou do Tejo aos 9 de março de 1500, regressando aos 23 de junho de 1501. Comprova-se, portanto, que o Brasil foi descoberto sob o olhar terno e protetor da Mãe da Esperança.

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