Por Ana Maria Casarotti*
Continuamente escutamos as tristes situações de tantas e tantas pessoas que vivem sem poder atravessar as fronteiras e os limites que são colocados ao seu redor
"Vocês ouviram o que foi dito:
'Olho por olho e dente por dente!' Eu, porém, lhes digo: não se vinguem
de quem fez o mal a vocês. Pelo contrário: se alguém lhe dá um tapa na
face direita, ofereça também a esquerda! Se alguém faz um processo para
tomar de você a túnica, deixe também o manto! Se alguém obriga você a
andar um quilômetro, caminhe dois quilômetros com ele! Dê a quem lhe
pedir, e não vire as costas a quem lhe pedir emprestado."
"Vocês ouviram o que foi dito: 'Ame o seu próximo, e odeie o seu
inimigo!' Eu, porém, lhes digo: amem os seus inimigos, e rezem por
aqueles que perseguem vocês! Assim vocês se tornarão filhos do Pai que
está no céu, porque ele faz o sol nascer sobre maus e bons, e a chuva
cair sobre justos e injustos. Pois, se vocês amam somente aqueles que os
amam, que recompensa vocês terão? Os cobradores de impostos não fazem a
mesma coisa? E se vocês cumprimentam somente seus irmãos, o que é que
vocês fazem de extraordinário? Os pagãos não fazem a mesma coisa?
Portanto, sejam perfeitos como é perfeito o Pai de vocês que está no
céu" (Mt 5,38-48).
Amor sem fronteiras
Continuamos meditando sobre o Sermão da Montanha. Hoje Jesus nos fala
sobre o modo de proceder com o próximo. Nos domingos anteriores
meditamos sobre sua proposta a respeito de diversas situações: a ofensa,
o adultério, o divórcio, os juramentos, e hoje o Evangelho nos introduz
num novo comportamento a respeito da vingança.
O texto inicia-se com uma frase que é um resumo da proposta da Nova
Lei do Reino anunciada por Jesus: “Eu, porém, lhes digo: não se vinguem
de quem fez o mal a vocês”.
Podemos pensar qual é geralmente nosso modo de proceder quando uma
pessoa ou um grupo nos faz mal? Qual é nossa reação no imediato, e até
considerada justa segundo os critérios que nos rodeiam, e que geralmente
fazem parte da nossa forma de agir?
Se recebermos uma agressão, pessoal ou grupal, como é nosso proceder?
Diante do ódio, do rancor ou da raiva que podemos sentir, Jesus está nos convidando a um novo modo de proceder.
Diante do ódio, do rancor ou da raiva que podemos sentir, Jesus está nos convidando a um novo modo de proceder.
Não alimentar vingança, não manter o rancor e responder às ofensas
recebidas de uma forma totalmente diferente de uma justiça aparentemente
“justa”.
A justiça do Reino é nova e até impensável se o Espírito Santo não
alimenta nossas vidas e nossas comunidades. Somos convidados a atuar com
generosidade e gratuidade.
O Evangelho abre a perspectiva do relacionamento humano para além das fronteiras que se costumam construir.
Como afirma Ellian Cuvillier: O Sermão da Montanha “ressoa como um
convite a viver neste mundo sob a luz da Boa Nova de Jesus Cristo que é
confiança e gratuidade: confiança em um Deus que vem ao meu encontro e
que, em troca desta confiança, não me pede mais nada. Pois, o que o SM
nos ensina é que o Evangelho não é uma moral (tu deves fazer isto ou
aquilo para obter isto ou aquilo — lógica da troca e da retribuição),
mas a proclamação de uma Palavra que vem abrir para uma nova compreensão
de Deus, de nós mesmos e dos outros”. (Disponível na entrevista
realizada pelo IHU: O Sermão da Montanha: um convite à gratuidade e à
confiança )
Jesus nos diz: “amem os seus inimigos, e rezem por aqueles que
perseguem vocês!” Assim “nos tornaremos filhos do Pai que está nos
céus”.
O Pai é nosso modelo e exemplo a seguir, a quem somos convidados a imitar e dessa forma tornar-nos seus filhos e filhas.
Jesus assinala uma característica do Pai: “quem faz o sol nascer
sobre maus e bons, a chuva cair sobre justos e injustos”. Destaca,
assim, a generosidade do Pai. Ele doa seus bens a toda pessoa além da
sua condição, seja uma pessoa boa ou má, justa ou injusta. Não faz
distinção entre as pessoas. Na hora da sua benignidade, que é contínua,
não há limites; sua compaixão é infinita.
Seu coração é uma contínua manifestação da bondade, de quem aguarda o
filho que saiu da sua casa, como narra a parábola do Evangelho de Lucas
(Lc 15).
Ser filhos do Pai convida-nos a atuar sem rancor e sem vingança, a
ter os sentidos abertos às diferentes realidades que nos rodeiam sem
colocar limites nem fronteiras de nenhum tipo.
Continuamente escutamos as tristes situações de tantas e tantas
pessoas que vivem sem poder atravessar as fronteiras e os limites que
são colocados ao seu redor. Situações que procuram fechar os olhos e
ouvidos a um estilo de vida egocêntrico e individualista, oferecido
continuamente com diferentes caras.
No seu caminho de seguimento, Jesus propõe que nosso amor ao próximo
não seja originado pelas nossas classificações de pessoas, aquilo que
ele é ou possui. Nossa fraternidade e estima não pode ser desvirtuada
pela categorização ou agrupamento de pessoas. Somos chamados a ter um
amor sem limites, que inclua todos e todas por igual.
O modelo para a vida cristã e as suas atitudes não é apresentado na
sociedade vigente. Ser cristão não é simplesmente ser como qualquer um,
mas é ter outros valores e outra visão. O fundamento desse modo de agir é
o amor do Pai e a vida de Jesus.
"Amem os seus inimigos, façam bem aos que lhes odeiam, abençoem
aqueles que lhes amaldiçoam, rezem pelos que lhes caluniam”. O
Papa Francisco reflexiona sobre este texto: “E estas não são ações que
surgem espontaneamente”. Diante dos adversários e dos inimigos, de fato,
“a nossa atitude primeira e instintiva é desqualificá-los,
desacreditá-los, amaldiçoá-los; em muitos casos, procuramos
‘demonizá-los’ a fim de ter uma justificação ‘santa’ para nos livrarmos
deles”.
E continua: “O inimigo é alguém que devo amar. No coração de Deus não
há inimigos, Deus tem filhos. Nós erguemos muros, construímos barreiras
e classificamos as pessoas. Deus tem filhos, e não foi para se livrar
deles que os quis”. “Nosso Pai – explica o Bispo de Roma – não espera
pelo momento em que formos bons para amar o mundo; não espera pelo
momento em que formos menos injustos, ou mesmo perfeitos, para nos amar;
ama-nos porque escolheu nos amar, ama-nos porque nos deu o estatuto de
filhos."(Francisco: “O vírus da polarização e da inimizade está entre
nós”)
Jesus se posiciona contrariamente à prática das leis que não
dignificam a pessoa, que a separam em guetos dos justos e os injustos.
Somos nós que classificamos as pessoas, que julgamos segundo nossos
olhares egoístas e muitas vezes insensíveis. Toda pessoa é amada por
Deus.
O relacionamento que propõe o Evangelho implica as duas partes. Como
disse Francisco na entrevista concedida ao jornal La Stampa: "Nunca
tenham medo da ternura". "Deus sempre abre as portas, nunca as fecha.
Ele é o pai que abre as portas. Quando os cristãos se esquecem da
esperança e da ternura, tornam-se uma Igreja fria, que não sabe para
onde ir e se refreia nas ideologias, nas atitudes mundanas. Enquanto a
simplicidade de Deus te diz: segue em frente, eu sou um Pai que te
acaricia".
No final o texto lido hoje especifica que é preciso “ser perfeitos
como é perfeito o Pai que está nos céu”. Ele é nosso modelo a seguir!
Como observa o Papa Francisco “O amor incondicional do Pai para com
todos foi, e é, uma verdadeira exigência de conversão para o nosso pobre
coração, que tende a julgar, dividir, contrapor e condenar. Saber que
Deus continua a amar mesmo quem o rejeita, é uma fonte ilimitada de
confiança e estímulo para a missão”.
Nesta semana somos convidados a nos colocarmos diante do amor de Deus, que é um amor inclusivo e nos faz partícipes desse amor.
Existimos desde o Ilimitado
Nos impomos limites e nos apequenamos,
mas vivemos em comunhão com o Ilimitado.
Nos impomos limites e nos apequenamos,
mas vivemos em comunhão com o Ilimitado.
Duvidamos de nós e nos desvalorizamos,
mas vamos sob o olhar da Bondade.
Nos dividimos e nos enfrentamos,
mas todos recebemos a vida desde A Unidade.
Nos classificamos em perfeitos e deformados,
mas todos somos habitados pela Beleza.
Tememos nossa obscuridade e nos escondemos,
mas somos iluminados pela Verdade.
Quem pode pôr limites
ao amor de Deus por nós?
Quem pode por-nos limites
se somente podemos ser no amor de Deus?
IHU
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