sexta-feira, 17 de novembro de 2017

A Liturgia na história da Igreja

[afeexplicada]

1. UMA PARTE MUTÁVEL E OUTRA IMUTÁVEL.

No conjunto da liturgia, especialmente na celebração eucarística, se exerce a obra da nossa redenção (SC 2). Tal conjunto ficou sujeito a um devir ao longo da história. Nele existe uma parte imutável, porque de instituição divina; mas existem também partes suscetíveis a mudanças, que podem ou não variar com o decorrer do tempo. Veremos tais mudanças no devir da história que lentamente deram vida ao imponente edifício da liturgia na Igreja, a partir da origem divina estabelecida em Jesus Cristo.

2. JESUS CRISTO, CENTRO DO CULTO CRISTÃO.

Para Cristo tende toda a história da salvação: “Deus que quer salvar e fazer chegar ao conhecimento da verdade todos os homens… nos falou por meio do seu Filho na plenitude dos tempos” (SC 5). Essa é a obra salvífica, realizada na história da salvação, que se acha no centro de nosso culto, que teve seu prelúdio nos admiráveis feitos do AT e foi plenificada por Jesus Cristo através do mistério pascal da sua sagrada paixão, ressurreição e gloriosa ascensão.
A realização do mistério salvífico da páscoa de Cristo é tarefa verdadeira e específica da liturgia, em adoração e glorificação do Deus vivo e santificação de todos os homens, que se realiza através do sacrifício e dos sacramentos. Nisso podemos afirmar que a liturgia é continuadora da obra de salvação realizada por Cristo. Para que isso se tornasse possível, os apóstolos pregaram e congregaram fiéis para pôr em prática ações cultuais.

3. O CULTO NA ÉPOCA DO NOVO TESTAMENTO.

AS PRIMEIRAS FORMAS DE AÇÕES CULTUAIS: Se deram na época apostólica, muito especificamente nas confissões de fé no Senhor Jesus ressuscitado. Mas, o fundamento e os pontos de partida para tais ações devem ser procurados na vida de Jesus antes sua ressurreição.
Os evangelhos delineiam o âmbito espiritual e cultual de Jesus: Circuncisão (Lc 2,21); purificação (Lc 2,22); peregrinação anual ao Templo para a páscoa (Lc 2,41); batismo (Mt 3,13); ensino e atividade no culto da sinagoga (Lc 4,14.17-21); intensa vida de oração (Lc 6,12). Como sabemos ele toma com os discípulos a ceia pascal, a qual insere a nova ação memorial; defende a pureza do culto quando expulsa os vendilhões do Templo. Enfim, o evangelho de João põe nos lábios de Jesus palavras relativas ao verdadeiro culto de Deus : “Vem a hora em que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e verdade” (4,23). Vê-se a explícita intuição de ações cultuais: a ordem de batizar (Mt 28,19) e do encargo de celebrar a ceia (Lc 22,19).
Com a ressurreição e ascensão do Senhor, o culto a Deus centra-se no crucificado que foi ressuscitado pelo poder de Deus. A comunidade dos primeiros discípulos é fascinada pela luz pascal. Enviados eles ministram o batismo, se reúnem para a fração do pão e oração (At 2), pregam a boa nova da ressurreição; a eucaristia celebrada em memória do Senhor realiza-se depois de um ensinamento doutrinal (At 20, 7-11), precisamente no “primeiro dia da semana”; a vida de oração aos moldes do ensinamento do Senhor se faz com constância (At 3,1; 16,25); a oração e a unção sobre os enfermos (Tg 5,14-15).
UMA CONCENTRAÇÃO CRISTOLÓGICA NO CULTO: Com tal liberdade do Espírito, no abandono dos usos cultuais relacionados as imagens do tempo passado, vai-se delineando em poucas formas a liturgia do novo povo de Deus : O evento Cristo é a realização do culto definitivo.

4. A LITURGIA NA IGREJA DOS MÁRTIRES.

Até meados do século II a Igreja nutriu-se de uma intensa vida espiritual, consolidando-se, foi descobrindo a originalidade que a distanciava do judaísmo. São tempos que a Igreja viveu de modo “intra”, onde, somente a partir da metade do século II vai-se iniciar um período de forte expansão; a Igreja procura impregnar o mundo com o espírito cristão, diferenciando o cristianismo de uma seita.
O MARTÍRIO: O poder político vê no fenômeno religioso, crescente e misterioso, uma ameaça para o Império, onde, a partir desse enfoque, começa a surgir ondas de perseguições que porão a prova os seguidores de Cristo. Esses terão que em tribunais justificar a sua fé com a própria vida. Serão os mártires (“testemunhas”, em grego) que diante das mais absurdas acusações (serem acusados de ateus por não terem deuses), aprenderão que a adesão ao Crucificado impõe duras provas.
As Igrejas começam a valorizar o martírio como o testemunho perfeito que o cristão pode dar, e desenvolve toda uma espiritualidade do mesmo. Eles, os mártires, são os cristãos perfeitos que se unirão a Paixão do Senhor. O martírio é um verdadeiro culto, onde, são descritos em termos cultuais e eucarísticos.
O CATECUMENATO: Uma das instituições mais fecundas da Igreja primitiva.Surge da necessidade de formar verdadeiros cristãos junto ao combate as heresias primitivas. O seu desenvolvimento consta de: longa aprovação de três anos, apadrinhamento por um membro da Comunidade, incompatibilidade com profissões ligadas ao culto pagão (serviço militar, administração do império) , instrução doutrinal e admissão (feitos cristãos) na noite santa da Páscoa.
UMA MUDANÇA FUNDAMENTAL: Talvez a maior de toda a história da liturgia: o abandono do banquete como suporte da celebração. Essa mudança produz modificações: desaparecem as mesas; caem em desuso os termos “fração do pão” e “ceia do Senhor”; começa-se a usar o termo “eucaristia” (ação de graças) ao conjunto de toda a celebração.
ESTRUTURA FUNDAMENTAL DA LITURGIA DOMINICAL: Em meados do século II: Início com a dupla liturgia da palavra (proclamação dos Evangelhos e dos Profetas) seguida de homilia; momento comunitário da oração dos fiéis; apresentação das oferendas seguida da oração eucarística. A segunda parte: conexão entre o banquete e a caridade para com os necessitados.
A ORAÇÃO EUCARÍSTICA: É quase igual a nossa oração II. Sua estrutura contém: diálogo entre o bispo e a assembléia; não há sanctus desembocando direto na narrativa da instituição; segue anamnese sacrificial; epiclese; doxologia trinitária e amém.
A CELEBRAÇÃO PENITENCIAL: Marca a ruptura com Deus e com a assembléia. Ocorria a manifestação pública do pecado a toda assembléia seguida de exclusão da comunidade (plenitude da vida eclesial). A comunidade acompanhava o processo penitencial dos pecadores rezando por eles, para que não fraquejassem no duro caminho de conversão, até serem readmitidos à comunidade.

5. A LITURGIA NA IGREJA DO IMPÉRIO (313 – 590)

NOVA MUDANÇA: O império, com Constantino, muda sua atitude de perseguição e adota o cristianismo como religião oficial. A Igreja passa por uma adaptação à situação nova, tendo que enfrentar um novo fenômeno : as conversões em massa e os benefícios e privilégios recebidos do Estado.
NOVO PROBLEMA: A baixa qualidade dos candidatos. Ser cristão passa a ser um benefício restrito a alguns, assim como, as funções reservadas à corte eclesial.
O MONAQUISMO: Surge da necessidade de se atingir a perfeição (vida cristã mais qualificada = santidade), frente as fraquezas que atinge muitos cristãos. O deserto do Egito é o campo de ação desses cristãos que buscam com a vida ascética substituir o antigo martírio, já não tão visto na Igreja. A celebração do Senhor ocupa lugar central na espiritualidade monástica, demonstrando especial dedicação à liturgia.
NOVA SITUAÇÃO ECLESIAL: A sinceridade das conversões diminui; o crescimento do número de batismo de crianças põe em crise a fecunda instituição do catecumenato, que assegurava a qualidade dos cristãos; o sistema de penitência mostrava-se muito severo (pecados não eram perdoados, penitências pagas por toda vida ou por longos períodos); o poder político se une e se identifica ao religioso. Isso levou muitos a postergar o batismo até momentos antes da morte.
AS HERESIAS: É uma época de grandes controvérsias teológicas, onde, os concílios vão impor a ortodoxia da Igreja. Nicéia (325), a fé na divindade de Cristo contra o arianismo. Constantinopla (381), afirma o Espírito Santo. Em ambos concílios se afirma a doutrina trinitária. Éfeso e Calcedônia se concentram no problema cristológico: uma única pessoa (Éfeso), contra Nestório, e duas naturezas (Calcedônia), contra o monofisismo.
FORTE INFLUÊNCIA LITURGICA: Sendo a liturgia a celebração da fé, ela vem em afirmação da mesma contra as controvérsias impostas : introdução da doxologia como afirmação da consubstancialidade trinitária, orações dirigidas a Jesus seguida da arte (os pantocrator). Tudo para fixar a fé na divindade de Jesus.
FIXAÇÃO DE TEXTOS LITÚRGICOS: Uma Igreja expandida pelo mundo e ameaçada por heresias não podia ficar a mercê das improvisações nas celebrações eucarísticas e expor sua doutrina a mercê de qualquer inspiração. Desse modo, as diferentes Igrejas começam a fixar por escrito suas formas de celebrar, seus textos oracionais. Vive-se momentos de grande criatividade na história da liturgia.

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